por Márcia Denser*
De óculos ficava com um ar depravado, exatamente ao contrário do que deveria,evidenciando os lábios sensuais, uns olhos oblíquos, os cabelos em estudado desalinho.
Nascida em 55, Júlia Zemmel era judia, refinada, escritora e ainda uma bela mulher, principalmente com aquelas lentes claras, transparentes, aliás os homens adoram isso: sempre preferem as vesgas.
Óculos acentuavam aquele seu ar idiota (eles também adoram mulheres idiotas) e dizer-se judia e escritora não seria um ato de fé? Não, pensa Júlia: uma vocação para a infelicidade, algo visceralmente fora de moda, tanto quanto ter quarenta e cinco anos, oito quilos a mais e todas as ilusões a menos, noves fora: não exagere, Júlia, nem todas.
*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), A Ponte das Estrelas (1990), Diana caçadora (1986), Diana Caçadora/Tango Fantasma (2003), Caim (2006)Toda Prosa II - Obra Escolhida (2008). Participou de várias antologias importantes no Brasil e no exterior. Organizou três delas - uma das quais, Contos eróticos femininos, editada na Alemanha. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea, jornalista e publicitária.