sexta-feira, 13 de novembro de 2009

TALIBANS ESTUDANTIS TUPINIQUINS

por Jose de Almeida Amaral Junior
Dias atrás toda a imprensa nacional – também destaque no exterior – repercutiu um fato absurdo, mas que traduz, de forma bem evidente, algumas coisas que nossa sociedade procura escamotear: a desigualdade e o machismo presentes em pleno século XXI.
Vestida para ir a uma festa assim que saísse da aula, uma estudante de turismo, da Uniban de São Bernardo do Campo, São Paulo, uma das organizações beneficiadas com oboom da política de expansão do ensino de terceiro grau nos últimos 20 anos, foi violentamente ameaçada por um bando de alunos e funcionários da referida escola por usar um vestido vermelho de saia curta. Devido ao ‘provocante ato de seu trajar’ ela foi humilhada, xingada, recebeu inúmeras bolinhas de papel da turba que se aglomerou nas galerias do prédio e acabou sendo retirada do local sob proteção policial, escorraçada pela ‘comunidade estudantil’ daquele campus, que por pouco não a agrediu fisicamente. A notícia do caso espalhou-se feito fogo no palheiro devido aos vídeos que pipocaram na rede da internet e foram passados às TVs. Foi, realmente, uma cena da inquisição, daqueles fatos típicos da ‘era das trevas’, cheios de preconceito, ignorância e hipocrisia. Porém, não foi uma visita ao ‘túnel do tempo’. É coisa de aqui e agora.
Considerando nossa época, em que crianças assistem televisão alegremente sob a permissão dos pais e as apresentadoras infantis aparecem de minissaias tão ou menores que a tal aluna; que há cerca de 10 ou 12 anos atrás os veículos de comunicação já bombardeavam seu publico com músicas e danças como ‘boquinha da garrafa’, isto sem falar nas coreografias de pagodeiros, funkeiros, forrozeiros e gente da axé music, cheios de trejeitos e gestuais erotizados que, como diria uma colega de trabalho, ‘qualquer gorila percebe sua conotação sexual’; onde novelas às 18, 19 ou 20 hs mostram cenas de casais se amassando vorazmente em plena janta da família – que, obviamente, inclui a presença dos petizes – entre outros exemplos mais, podemos facilmente compreender que vivemos sob uma moral bem flexível, permissível, sem muita rigidez, bem diferente de décadas anteriores, onde se namorava pela janela ou no portão de casa e as moças de boa cepa deveriam casar virgens. Portanto, vivendo nestes magníficos tempos de informalidade social, num ‘ambiente acadêmico’, isto é, de estudo, pesquisa, de construção do conhecimento, crítico e de respeito ao livre pensar, a última coisa que os alunos deveriam estar fazendo era se incomodar com uma banal minissaia. Bem trivial mesmo. Todavia, isto mostra que as coisas não são bem assim. E a instituição de ensino superior, que deveria dar o exemplo de conduta racional, para piorar, ainda expulsou – e voltou atrás com esta decisão 24 hs depois – a aluna pelo seu ‘comportamento inadequado’... Pergunta-se: o que foi feito à educação universitária? Esse é o aprendizado, o desenvolvimento intelectual, o investimento em cidadania que realizam? É a qualidade propagandeada? Ora, por que é que não se constrange aos rapazes que em bandos vão para os sacrossantos espaços do conhecimento, as salas de aula, de chinelo de dedo, bermuda ou calção e camiseta regata? Esteticamente trágico e absolutamente desrespeitoso. Ou não? Aos garotos pode? Ela é vulgar, eles não, são ‘descolados’, moderninhos. E a Uniban corrobora isso, punindo a discípula tentadora, luxuriosa, libertina, que circulou por aquele templo constrangendo seus dóceis e fiéis cordeiros, rapazes ingênuos e raparigas puras, que não tem olhos para outras coisas a não ser os livros e lousas, tarados pelo saber. Adestrados para o deus mercado. É muita impostura e reacionarismo. Alienação e convicção de impunidade. Mas, é um dado cabal.
No mesmo momento, para aprofundar a necessidade de urgência nos debates sobre essa questão de gênero, coincidentemente, o Fórum Econômico Mundial publicou seu relatório de 2009 em Nova York e, no meio dos estudos, havia lá a seguinte comprovação: o Brasil, entre as 134 maiores economias do mundo, no que se refere à diferença entre homens e mulheres passou da 73ª posição em 2008 para a 82ª neste ano de 2009. Lamentável, contudo, esperar o quê? E há quatro critérios básicos para se chegar a esta conclusão: diferenças salariais e participação no mercado de trabalho; acesso à educação e nível de formação educacional; acesso à saúde e queda de índices de mortalidade, e por fim, participação política e posição em cargos de poder político. Assim, constatou-se que o país piorou especialmente no referente ao quesito mercado de trabalho, com a remuneração feminina sendo reduzida quando comparada à mão-de-obra masculina na mesma função e problemas também são notados no campo dos direitos sociais. O Brasil tirou uma nota ruim no quesito legislação capaz de coibir e punir a violência contra mulheres. Alguém vai negar a avaliação do Fórum?
Cá para nós, se fatos como o relatado acima são verificados em plena região metropolitana paulistana, uma das maiores do planeta, e dentro de um ‘estabelecimento de ensino superior’, o que pensar dos grotões, das periferias, dos perdidos neste mundo? Que falar do caso meses atrás da menor que foi presa numa cela comum e lá estuprada sucessivamente pelos machos nela cativos porque a prefeitura local não tinha onde trancafiá-la em separado? É de assustar a condição feminina na sociedade brasileira. Vale uma aposta? Se a garota da Uniban posar para a Playboy, a revista vai ser um estouro de vendas e edição esgotada para as imediações de São Bernardo. É de incomodar como esta sociedade é preconceituosa e dissimulada.
São Paulo, 13 de novembro de 2009
José de Almeida Amaral Junior
Professor universitário em Ciências Sociais
Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação
Colunista do Jornal Cantareira

Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada On Line